domingo, 13 de fevereiro de 2011

A Ecologia do Descanso

Uma boa tarde a todos. Andei sumido, pois estava de preparo para férias e numa viagem de três dias. Estarei de férias até depois do carnaval... Este é meu mês shabático. Gostaria de compartilhar esse princípio de vida, contracultural e promotor de vida.

 A ecologia do descanso

A Biblia nos fala de dias de descanso. O shabat, que
é o sétimo dia, depois de 6 dias de trabalho (Levítico 23:3), um dia para
descansar na semana; o ano Shemitá ou Ano Sabático (Levítico 25:4), que era o sétimo ano do ciclo de sete anos de cultivo, em que o trabalho de cultivo cessava e os pobres tinham suas dívidas perdoadas e os bens restituídos. Assim sendo, era tempo da
terra se recompor de nutrientes, algo que a ciência mais tarde iria nos
falar, e era tempo de promover justiça social, além de implicações mentais
e físicas por conta de descansar de todo um trabalho. Também é
relatado no Antigo Testamento o Jubileu da terra (Levítico 25:11), que era
como o Ano Sabático, mas a cada 50 anos. Além disso é citado os dias de festas em que
havia descanso solene. (Levítico 23)
Reconhecemos assim a cessação e o descansar como um princípio bíblico.
O Shabat é o dia de cessação do trabalho, o descanso é impícito.
Descansar não significa não fazer nada. Descansar é o tempo de admirar, de servir, de sentir, de chorar, de rir, de fazer outra coisa, de criar ou até mesmo de destruir, nesse último caso podemos destruir o sistema que nos oprime com a correria do tempo e da
não cessação das coisas.

Perdemos as coisas de vista quando não paramos. Certa vez eu li, acho que num trabalho de conclusão de curso que o excesso de trabalho nos empobrece. Isso é bem óbvio, pois como continuar a usufruir sem tempo de renovação? Isso é o que os ecologistas sempre pregaram, mas é algo milenar, uma necessidade bem anterior a conscientização ecológica a partir do ecologismo. Esse tempo para renovar a que me refiro é o shabat. tudo o que fazemos em demasia esgota e até mesmo nós nos esgotamos e acabamos cansados e cansando o planeta. O tempo de recomposição do planeta está atrasado. Isso é
implicação do custo de não cessar a produtividade. Daí nós temos o desperdício. Para algumas pessoas descanso é desperdício, pois "tempo é dinheiro", dizem baseado no ditado popular. No entanto o não descansar já é desperdício.  Descobri que em hebraico bíblico o conceito de desperdício é destruição (tashcit). O despedício é falência da proposta
civilizatória de que nos incumbimos. Melhor nada fazer que transformar algo em nada, diz o Rabino Nilton BONDER.
O Shabat ao nos indicar a necessidade de cessação nos diz que não somos donos da natureza. “Do SENHOR é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam.”(Salmos 24:1).  O princípio mais sensível e sensibilizador das leis bíblicas referentes às
relações ecológicas talvez seja o Shabat, pois nele renunciamos o nosso poder sobre a natureza. É também um sinal de humildade se pensármos que nós nos humilhamos diante do fato de que precisamos de repouso, férias e descanso, e assim informamos ao mundo que não temos o poder sobre a vida verdadeiramente e que somos limitados e somos sustentados pelo Senhor e que só Ele, o Deus vivo, pode nos encher de vitalidade, só Ele é o Criador, e proclamamos que paramos porque nossa vida não é infinita, assim como também não é infinito o planeta e seu meio ambiente criado por Javé, o vivente,
mas como tudo na natureza é cíclico e flui é preciso respeitar esses ciclos e o fluir das energias, andar nesse ritmo, por isso também cultivar e GUARDAR.

A vida, por meio dos sistemas complexos ecológicos exige a descontinuidade e a renovação.  A pausa e o desacnso está em vários momentos da vida: é o dormir, o pós almoço (quando o corpo sente uma moleza), a hibernação de alguns animais, a dormência de algumas sementes e plantas, o inverno é descanso, para alguns seres a noite é descanso, para outros o dia é descanso, e até a morte é cessação, o que permite a continuidade da vida num sistema finito.
Há um estudo que sugere que paremos um dia da semana e com isso o planeta teria um grande ganho ecológico, diminuiria a poluição e daria mais tempo de ecossistemas se reporem. Isso seria incrível. No entanto, como sempre, o que já se sabia por meio da Bíblia a ciência moderna apenas veio a dizer o mesmo de outra forma muitos anos depois. Os moradores da terra que não descansa sofrem as consequências (Levíticos 26.32-35). Isso é óbvio! A natureza não pode aguentar tanta pressão por tanto tempo. Numa sociedade em
que não cessa atividades rotineiras isso pode soar como utópico. Mas a verdade é que descansar e parar não é privilégio, mas necessidade de permanência, ou seja, isso é questão de sustentabilidade. O shabat é um princípio de sustentabilidade.

O Shabat foi dado e criado pelo Deus da Bíblia. Assim, a observância ao Shabat constitue um testemunho devoto a isso, proclamando que Deus criou tudo e o shabat testifica isso, pois cessamos para a continuidade desse tudo, essa criação que depende da maneira que a tratamos, a maneira que a "cultivamos" (Gênesis 2:15 e Gênesis 3:23). O homem foi colocado no jardim para cultivar e guardar. Guardamos também quando paramos. O shabat é uma guarda. Muito mais importante que guardar o sábado é o sentido de guarda, por isso Jesus disse: "O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado."(Marcos 2:27) Aliás o primeiro dia após a criação do homem foi um dia de descanso (Genesis 1:27 a Gênesis 2:2). 
 

 Devemos santificar nossa cessação, devemos santificar nosso repouso. Ele é uma demonstração da vida que Deus propõe ao homem. O shabat nos distingue. "Guardarão, pois, o sábado os filhos de Israel, celebrando-o nas suas gerações por aliança perpétua. (Êxodo 31:16)  "e Tu, pois, fala aos filhos de Israel, dizendo: Certamente guardareis meus sábados; porquanto isso é um sinal entre mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que eu sou o SENHOR, que vos santifica." (Êxodo 31:13) Os que o tem como princípio prezam a vida e rejeitam a cultura da morte. O primeiro presente de Deus para aqueles que saíram do jugo da escravidão do Egito depois da liberdade foi um dia de descanso (Levítico 25:2). Também, na época do exílio em Babilônia, o shabat contradizia a opressão e a exploração dos caudeus sobre o povo judeu.

Um período sabático é necessário e não tê-lo pode ser fatal. Em alguns lugares do mundo as empresas concedem um período de afastamento de meses a 1 ano ao empregado. No Brasil, país em que os empresários não se importam muito com os funcionários, corroborado pelo falso mito de que brasileiro é preguiçoso, e encontramos facilmente expressões do tipo "carioca, baiano e índios são preguiçosos", é dificil encontrar empresa que permita um período shabático, pois os empresários gananciosos e capitalistas não gostam de ver o povo descansar.

Jesus Cristo descansou.(Mateus 5:17-18) Jesus enquanto judeu se submeteu à lei judaica de Deus. Isso é maravilhoso, pois sendo ele quem era não usou-se de ser Deus (Filipenses 2:6-7) e não desprezou a criação por ser superior a ela e a condição humana.
Na verdade vemos aí o Deus que cultiva vida na vida. Deus em Cristo nos deu uma genuína prova de espiritualidade, o repouso. 

Corpo e mente são unos. Viver sem parar esgota, consome demais e é consumido por si mesmo e pelo que está ao seu redor. Aquele que não se dá direito ao descanso como pode viver? Afinal o próprio Deus descansou e nos dá descanso. Jesus nos diz que devemos descansar nele (Mateus 11.28-30). Aquele que não se dá descanso como pode dizer que está em Cristo? Pois foi Jesus que disse que acharíamos descanso nele. E sem descanso não aguentamos a vida, sem descanso o corpo, que é templo do Espírito Santo padece
e adoece, e a mente, que nos permite a racionalidade fica desfocada, e como
pensar com a mente de Cristo (I Coríntios 2:16) sem o descanso? A pessoa que não descansa pede férias sempre. Perde-se e não consegue se achar. E em determinado momento já não se sabe mais se se está cansado do cansaço, se está cansada pelo cansaço, se a vida está cansada ou se está cansado da vida.
Cansaço des-naturaliza, des-regula, des-motiva, des-orienta, des-romancia e assim há um desencantamento do mundo. Então, vem a desordem do pensar, e o processo de egoísmo passa a trabalhar. A busca por algo pra si, a busca de sentido, a busca por "n" coisas pra si, esquecendo o outro, o próximo, Deus, e a natureza em sua volta e em seu próprio corpo. Daí as doenças mentais geram perigo maior a tudo ao redor e a si mesmo. 


O que vemos todos os dias?
Há excesso de luzes, excessos de sonoridade, excesso de rejeitos e lixo, pois não se para de produzir, assim o meio ambiente como um todo vai sendo consumido sem descanso, ou melhor, sem cessação, assim como o próprio ser humano, que não se aguenta, não segura a barra da existencialidade, daí fragmentações conjugais e familiares, estress e violências, revoltas, se tornam seres inadequados e acríticos e que apenas buscam e lutam para
conquistar uma vida "tranqüila", cujo àpice é o sucesso, e cujo símbolo são as mansões e o lifestyle dos milionários.
Como se vê a ecologia é integral, abrange a psicologia, a biologia e a sociologia, bem como a espiritualidade.

Vale apenas dizer que em Cristo não há mais a "Lei", ou seja, o shabat como
o 4º mandamento se extingue, o que fica pra nós é o princípio do descanso e como em Cristo tudo se cumpre, andarmos com ele nos leva a vivermos uma vida que implicitamente respeita os limites da vida e a permanência e perpetuação da vida sobre a morte.

O Deus vivo nos chama a descansar. Ele te convida. Você aceita? Não
descansar não passa de vaidade. Vaidade de vaidade...

Na Bíblia, descansar é sinônimo de conservar e de cultuar, adorar ao Deus
vivo que supre a existência da vida como um todo.
Há muito do que falar e refletir sobre o shabat, ao longo da história do povo judeu esse "cessar" mas por hora fico por aqui...

Em Jesus meu descanso eterno,
Jorge Tonnera jr. (De férias)

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