sexta-feira, 23 de março de 2012

Marco Polo e as Ciddes e os Resíduos, em Cidades Invisíveis.

Em meados do livro "As Cidades Invisíveis", de Ítalo Calvino, que se aventura em desenvolver narrativas ficticias de cidades fictícias do império de Kublain Khan, o viajante Maco Pólo em determinado momento já pelos meados do livro é questionado pelo imperador sobre o sentido de narrar coisas em detrimento de outras. É um momento tenso em que o que se discute é a legitimidade dos relatos e sua relevância dada a percepção diferente da que talvez Khan desejasse.


Eis então que o imperador chega a dizer para Pólo que as cidades narradas por ele não existem. De fato, cidades narradas serão sempre diferentes das reais, o que acaba tornando tais cidades inexistentes. Mas, não é isso a que o imperador se refere, e sim a ótica de Pólo que dá destaque a essência das cidades por meio de seus símbolos, nomes, trocas, etc, pois é Pólo sabedor de que cidades narradas são diferentes das reais e assim inexistente, além de outros motivos compreende que a melhor maneira de registrar as cidades era através de buscar sua essência, suas relações.

O Khan diz a Pólo que seu império apodrece como um cadáver no pântano, que contagia corvos e aduba bambus. Era relatos sobre coisas como essas que Khan queria saber. Eis que Marco pólo responde então:

"-Sim, o império está doente e, o que é pior, procura habituar-se às suas doenças. O propósito das minhas explorações é o
seguinte: perscrutando os vestígios de felicidade que ainda se entrevêem, posso medir o grau de penúria. Para descobrir quanta escuridão existe em torno, é preciso concentrar o olhar nas luzes fracas e distantes. (Pág.57 de "Cidades Invisíveis", de Ítalo Calvino)

Depois disso Khan vai falar que seu império é feito da matéria de cristais agregando suas moléculas a um desenho perfeito, e pergunta a Pólo porquê suas impressões de viagem se detêm em aparências ilusórias e não colhem esse processo irredutível.
Marco Pólo então justifica dentro de seu ponto de vista como justamente o essencial para entender cidades:

-"Ao passo que mediante o seu gesto as cidades erguem muralhas perfeitas, eu recolho as cinzas das outras cidades possíveis que desaparecem para ceder-lhe o lugar e que agora não poderão ser nem reconstruídas nem recordadas. Somente conhecendo o resíduo da infelicidade que nenhuma pedra preciosa conseguirá ressarcir é que se pode computar o número exato de quilates que o diamante final deve conter, para não exceder o cálculo do projeto inicial." (Pág.58 de "Cidades Invisíveis", de Ítalo Calvino)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...