domingo, 30 de setembro de 2012

Amós, O Código Florestal e a Bíblia.

Os profetas tem a missão de nos direcionar e nos lembrar de Deuteronômio. Este é um dos livros do Antigo Testamento que possuem estatutos, leis e juízos, ou como dizem os judeus, simplesmente a Lei (dada de Deus ao homem). Necessário dizer que não uma lei que visava o proibir, mas uma outra maneira de se viver, sem oprimir, sem ser injusto, que visa a vida em primeiro lugar. Deuteronômio é a releitura de várias das leis, estatutos e juízos anteriormente já proferidas por Moiséis com o intuito de mostrar aos hebreus a importância e as consequências de suas escolhas, às quais seriam mediadas perante tais leis. Assim sendo, é o livro da lembrança da Lei, afim  da escolha da vida ou da morte às quais estão relacionadas diretamente e indiretamente às nossas escolhas que são capazes de repercutir em todos os níveis de relação. Cerca de 90% da lei era de statutos sobre relações de convivência em termos de vida seja consigo ou em sociedade e com o ambiente, tais como tempo de uso do solo, pagamento salarial, relação
trabalhista etc. Somente os poucos 10% eram regras de cerimonialismo religioso formal propriamente dito.

Lemos no capítulo 28 do Deuteronômio que ao seguir tais estatutos, ou seja, as relações ecológicas (ambientais, sociais e econômicas), e se o povo vivesse
essas relações de maneira justa, seriam benditos no campo e na cidade (verso 3), e o fruto do ventre, ou seja, os filhos, seriam abençoados e benditos tal como o fruto da terra, bem como os animais. A saber vemos uma interconexão causal entre o ser humano e o meio ambiente, mais precisamente naquele contexto o campo, bem como a biocenose (comunidade viva) dele. Entendemos que o cuidado da criação está acompanhado do cuidado do ser humano, e o cuidado do ser humano está acompanhado do cuidado da criação. Sendo assim uma convivência comum que nos destina ao senhorio (domínio outorgado) da terra, e ao senhorio da humanidade e de toda criação ao Senhor da vida, que é Deus, pois que todas essas leis visam a preservação da vida, a qual é manifestação de Deus e expressa sob diversas formas a glória desse Ser que a tudo sustenta pelas leis e poder que nos convida a sermos co-criadores, ou simplesmente desenvolvedores da vida...

A reconciliação da vida em todos os seus estratos, em todos os níveis relacionais, sendo o todo sistêmico compreendendo o aspecto pessoal, social, econômico e ambiental, e assim sendo ecossistêmico, revelado também pela glória de Deus que a Teoria ecossistemica nos leva a enchergar um mundo de diversidades que se intercruzam e se dependem, se
relacionam, se complementam, se protegem, se desenvolvem e necessitam uma da outra, coevoluem, se transformam...

Daí, conforme dito, Deuteronômio era uma base e referência para se conviver e habitar em um lugar num tempo e espaço comum. De tempos em tempos o povo e/ou suas autoridades se desviavam das leis, estatutos e juízos de Deus, e por isso o próprio Deus fazia com que homens levassem o povo a andar devolta segundo a Lei. Tais homens qforam chamados para denuciar as injustiças e chamar ao arrependimento, anunciar julgamento e consolo. Estes eram os profetas. Um desses homens era Amós, homem que exerceu o chamado para profetizar, mas nunca se colocou tal chamado e o que fez como um título. Nas suas próprias palavras ele mesmo diz que não era profeta nem filho de profeta, e foi chamado do seu campo para dizer o que tinha que dizer apenas.
Amós era um proprietário de terra, e ao que se entende segundo implícito no texto era uma pessoa de posse. Mais especificamente um agropecuarista, pois diz o texto que ele criava gados e cultivava sicômoros. Sendo assim era um homem que conhecia e lidava com relações sociais, econômicas e ambientais. Amós sabia, por exemplo, que não deveria semear 2 sementes do mesmo tipo na mesma terra, conformo prescrito pela Lei e lembrada em Deuteronômio, pois tal forma de cultivo propiciaria com o passar dos anos a perda da variabilidade genética daquela planta. Hoje sabemos disso através da ecologia, a qual revela por seus estudos científicos a importância da conservação das sementes chamadas crioulas para que não gera perda de informação do ambiente local da planta possibilitando praga, e assim perda de lavoura e gerando pobreza e por conseguinte injustiças.
De fato é justamente as Injustiças, especialmente as sociais, o centro do oráculo de Deus no livro de Amós. Injustiças sociais, as quais levam Israel à ruína.
Dentro dessas injustiças se apresenta como principais as relacionadas a economia: ganância e enriquecimento ilícito, e sistema econômico administrativo que propiciava concentração de renda . A
crítica de Deus por intermédio de Amós tem nome e é endereçada: os ricos e poderosos, pessoas influentes e que oprimiam os pobres e ignorantes.
Poucos com muito e muitos com pouco, sendo os poucos exercendo grande pressão em relação aos muitos. Valores ilícitos e balanças que impedem de pobres comprarem. Comerciantes ladrões e os atravessadores sem escrúpulo que deixavam os pobres sem possibilidades de comprar e vender as mercadorias por preço justo.
Várias são as pessoas oprimidas tais como mulheres empregas, devedores, escravos,  trabalhadores que sustentam o Estado. No entanto chamo atenção aqui, até pelo que especificamente estou tratando, o fato de uma das principais vítimas sendo o pequeno camponês, aquele com o mínimo para sobreviver. Este sendo um que corre sério risco de perder casa, terra e liberdade, dentro d eum cenário de uma política expansionista, pois que Israel crescia em termos econômicos, mas não em termos de justiça. Destaque também em relação a crítica contra o orgulho e as falsas seguranças.

A fome e a falta de chuva e a consequente falta de água para beber são relatados no livro como um aviso de Deus, dentre outros vários chamados para arrependimento. Ou seja, a fome e a sede não são o último estado. O último estado degradante é uma destruição, a ruína total.
Num cenário não muito diferente vemos o Brasil, país extramamente injusto em relação as questões de terra e relações ambientais. No cenário local e nacional a perda de  árvores resulta em fome e em sede, justamente pela falta dos serviços ambientais gerados por não deixar uma quantia representativa mínima de árvores. Nosso país ainda hoje não fez uma reforma agrária. Vivemos numa nação onde poucos tem vastas áreas de terra, os chamados latifúndios, e muitos tem poucas terras, sendo estes últimos exatamente os que alimentam, abastecem a nação. Estes tem sido pressionados pelos latifundiários a serem contra o Código Florestal, os quais atribuem a este instrumento legal que protege florestas uma impossibilidade de plantar e produzir o suficiente para que se tenha renda para estes agricultores e alimento para a sociedade. No entanto sabemos que existem alternativas de manejo e formas que possibilitem tanto a produção quanto a conservação, práticas relacionadas a chamada agroecologia. 

Pode-se plantar comida com árvores. Além do que devemos nos lembrar que árvores ajudam a preservar cursos d'água, bem como influenciar no clima local em relação ao calor e chuva. Tais serviços, os quais são garantia de manutenção da produção de alimentos, a partir da conservação e reserva de determinadas faixas de extensões verdes, uma vez que tais dispositivos legais visam a continuidade de condições e serviços edáficos e climáticos, serviços que conservam e protegem rios, os quais são necessários para abastecer os plantios, serviços que influenciam a evapotranspiração, a qual permite a
chuva, serviços que permitem a troca de nutrientes por meio da produção e disperção de folhas que ciclam os nutrientes do solo, bem como a atração e permanencia da presença de animais dispersores e polinizadores, Leia-se APPs, e reserva legal. Ressalta-se também o triste fato de que Estes que produzem com suas poucas terras e alimentam nossas casas muitas vezes vivem presos nas mãos de atravessadores que ligam o agricultor ao comprador secundário, os quais ditam os valores a um preço exploratório. Vemos também aqui o império das monocultoras, às quais destroem ao longo do tempo os nossos solos, alteram a biocenose, gerando pragas por conta da ausência de determinados seres, e numa retroalimentação de morte , um ciclo de maldição, uma vez que o solo já débil
necessita de correções e o uso de adubos químicos, estes alteram o metabolismo das plantas acabam atraindo pragas, que exigem agrotóxicos.

Os pequenos agricultores reféns de um mesmo sistema seguem muitas vezes práticas daninhas que necessitam de uso contínuo de agrotóxicos, os quais prejudicam a saúde
dos que se alimentam desses alimentos, bem como dos agricultores que aplicam tais venenos. Veja como cada ação compromete a um nível de relacionamento, o qual vai comprometendo os níveis subsequentes. Muitas vezes num ciclo de destruição os agricultores (leia-se aqui pequenos proprietários de agricultura familiar) são
expulsos pelo próprio sistema que exigiu a destruição das áreas que serviam para segurança bem como do sistema de plantio, pois que a terra se torna sem recurso e o homem da terra se vê sem nada e foge do seu próprio cenário em busca de nova
oportunidade, a qual muitas vezes só acentuam seu problema ficando presos em cidades opressoras, desqualificado e desempregado fazendo agora parte de um exército de reserva do capitalismo. No caso os poderosos que oprimem os pobres são os ricos, os empresários, os religiosos, os políticos, os quais se manifestam sob um coletivo de agregados entitulados "bancada". Sem querer polarizar tal questão complexa, mas sem deixar de dizer o que anos acontece, que é o interesse privado sobrepondo o interesse coletivo, deixando de a vida ser em primeiro lugar, há um grupo que vive de oprimir.
Em Amós, o cenário do Reino do Norte de Israel é muito parecido com o nosso aqui no Brasil, sendo tais poderosos classes como as nossas enumeradas acima.
Ao final das denúncias e juízos no livro de Amós, um novo cenário esperançoso e belo anima-nos a buscármos a justiça. A beleza apocaliptica do final do livro de Amós se reflete na vida em função da vida, a qual trabalha e gera vida. Vinhas e colheitas se transbordando, pessoas em suas terras e que não perderiam seu espaço de vida. Uma continuidade perpétua, assim como perpétuo é o amor de Deus, que sempre leva ao estado original pela graça, ao estado de vida, potencializada e que desenvolve.
O Deuteronômio e o livro de Amós nos mostram que o Código Florestal é um assunto de todos, sejamos nós pessoas do campo ou da cidade, sejam agricultores ou aqueles que não plantam comida.
Particularmente quem lê Amós não pode sair o mesmo depois de terminar a sua leitura. Todos por meio desse livro somos
convidados, recebemos um convite racional, pessoal e coletivo, pessoal e nacional de profetizármos contra a injustiça social, ou seja, ir contra esse movimento destrutivo que degrada o homem e seu espaço de vida, seu meio, sua cultura, sua identidade. Amós recebeu um chamado pessoal de Deus, o que é o motivo inicial de seu profetizar. No entanto, Amós viu nas visões o que estava acontecendo com a nação e o povo, o que também o motivou a sair de seu lar e ir profetizar. Teve misericórdia e compaixão pelo próximo. Amou a Deus em primeiro lugar e depois amou ao próximo. E nós??? Nós vemos quase que diariamente imagens e reportagens que nos mostram o que está acontecendo no campo, na terra, na cidade. Tais reportagens e imagens não deveriam ocupar de certa forma a mesma função das visões que Amós teve e nos motivar a clamármos e agirmos por amor as pessoas e como repostas ao desejo de justiça de Deus, de um Reino que não feito de comida nem bebida, mas de paz, justiça e alegria no Espírito Santo?

nEle q é Senhor e nos chama a cuidármos de nossa terra nosso campo, nossa cidade a nossa nação.

Jorge Tonnera Jr
Biólogo especialista em Gestão Ambiental e Educador Ambiental
Membro do Coletivo Igrejas Ecocidadãs - RJ
tonnerapunk@yahoo.com.br

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