terça-feira, 11 de dezembro de 2012

E se Niemeyer tivesse pedalado?

Esse eu captei pelo grupo yahoo de ciclistas que eu faço parte, "O Bicicletada Rio". É um excelente artigo que visa apenas rever conceitos intocáveis e dogmáticos e não depreciar alguém que em linhas foi realmente muito bom, soube apreciar o belo, sobretudo a beleza nos detalhes das curvas femininas. No entanto destrói sim bezerros de ouro, o que é muito bom, e ao mesmo tempo humaniza e convida a evoluir rumo a uma cidade comunitária, inclusiva, e não somente esteticamente apreciável.

 

E se Niemeyer tivesse pedalado?

Por Renata Falzoni

Oscar Niemeyer
Oscar Niemeyer


"O mais importante não é a Arquitetura, mas a Vida, os Amigos e este Mundo injusto que devemos modificar"

Arquiteta e brasileira que sou, devoto profundos admiração e respeito por Oscar Niemeyer e sua obra. Estou triste, de luto mesmo pois ele se foi.

Sou formada pela FAU Mackenzie, turma de 1977 e estudei muito a obra de Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Le Corbusier e outras tantas lendas. Nunca nos foi dada qualquer chance a crítica ou questionamento.

Esses arquitetos nos foram apresentados como “os senhores absolutos” da verdade arquitetônica, da estética e da modernidade; inquestionáveis.

Nossa geração seguiu a fundo os dogmas do planejamento urbano calcado em amplos espaços, avenidas maravilhosas, edifícios magníficos, prédios soltos, sem vizinhos, comércio segregado, tudo grande e longe.

O lema era a total transparência da forma, esta determinada pela função. Pilotis soltos, o livre rabisco, curvas, enfim, aprendemos a escancarar a função no desenho, mas nunca pudemos questionar a quem serviria tanta beleza arquitetônica, se nela seria agradável de se viver ou mesmo se esses edifícios e essas cidades seriam sustentáveis, na escala de um ser humano ou inclusivas.

Niemeyer era amigo pessoal de Juscelino Kubistchek, o “presidente bossa nova”, mentor e patrocinador de Brasília, aquele que trouxe ao Brasil a indústria automobilística e nos conduziu a “modernidade”.

Niemeyer era de esquerda, comunista de carteirinha, sempre clamou por igualdade. Havia em seu escritório um cartaz escrito em próprio punho algo no estilo, “enquanto eu vir desigualdade, serei um comunista”.

Brasília é uma cidade projetada para quem tem cabeça tronco e rodas motorizadas, sendo que – posso estar enganada – nunca vi dessa turma de arquitetos e urbanistas, uma reflexão do quanto suas cidades não promoveram a igualdade que tanto pregavam. Muito pelo contrário, essas cidades segregam.

As cidades satélites de Brasília são prova viva que que algo deu errado. Nossa capital de cara não previu a moradia de quem a construiu, a moradia da mão de obra, dos trabalhadores, daqueles que precisam vir ao centro todos os dias trabalhar.

Brasília nasceu insustentável no quesito mobilidade urbana. Nasceu sob uma ótica nada “comunista” se formos associar a esse termo, uma política pública que promova a igualdade e a integração de uma população, independente da classe social.

Brasília é plana, ampla, com largas avenidas e seus gestores poderiam ter feito uma mea culpa muito rápida, trazendo a moradia de trabalhadores para próximo do centro e uma estrutura cicloviária, sem falar em calçadas.

Brasília não tem calçadas.

Mas não, nunca sequer se cogitou algo pelo estilo. Sucumbiu-se a especulação imobiliária, ao modelo carrodependente, sendo que não conheço cidade melhor para virar a sua própria mesa.

Me pergunto o que teria sido se Oscar Niemeyer, Lucio Costa e tantos outros tivessem pedalado como meio de transporte na década de 70, 80, quando o partido verde fez a sua revolução na Alemanha, influenciando a Dinamarca e os Países Baixos.

Teriam eles sacado aonde está o buraco da desigualdade social de nossas cidades?

Essa eterna necessidade e de se dar aos carros mais e mais espaço e em decorrência expulsar a classe trabalhadora dos centros? A degradação urbana decorrente, viadutos, pontes, marginais, congestionamento, poluição, barulho, mortes, doenças, isolamento de pessoas enclausuradas, transporte público ineficiente?

Um dia eu perdi a chance de expor em pessoa ao próprio Niemeyer essa análise tão fácil de entender pelos que se livraram do carro em centros urbanos.

Era no verão de 96 / 97, estava eu a correr a pé pelas redondezas do parque Ibirapuera, procurando o meu cão que havia fugido de casa e sumido pela região.

Vejo uma comitiva de pessoas que eu conhecia, caminhando pela Av. Quarto Centenário e nesse grupo, o próprio Niemeyer.

Atravessei a rua e fui conhece-lo, já com seus 89 anos.

Eles estavam inspecionando o Parque por ele projetado e foi nessa época que decidiram construir o Teatro que já fazia parte do conceito original.

Depois que eu me apresentei ele me perguntou: “_Mas o que você faz aqui?”.

Expliquei-lhe sobre o Milú, meu cão pastor, muito do tonto. -“Fugiu de casa com outros dois que já retornaram e ele não”.

Niemeyer na sua mansidão me respondeu:

_”Pois eu vi o seu cão menina, ele está lá no Manequinho Lopes, ele está rodando no estacionamento. Aproveite e diga ao meu motorista, você vai vê-lo, para vir aqui me buscar, pois eu estou cansado de caminhar’

Dito e feito, lá estavam o Cão Milú e ao seu lado, o motorista!

Devo mais essa a esse ilustre brasileiro!

Fonte: http://espn.estadao.com.br/post/297514_e-se-niemeyer-tivesse-pedalado

Getty
Niemeyer morreu na última quarta-feira, aos 104 anos
Niemeyer morreu na última quarta-feira, aos 104 anos


Um outro artigo que saiu esses dias, já a nível internacional faz uma análise de Brasília. Mesmo que não se concorde com tudo, vale sempre ler visões diferentes. Pessoalmente fiquei muito poucos dias em Brasília para eu emitir opinião tão formada. Deixo o link para apreciação de quem quiser ler. Eu li e achei bom o questionamento. mais uma vez repito que não deprecia o trabalho do Niemeyer. Muito pelo contrário. Esteticamente é único e tem beleza e diferença e tenta ser justo, mas sempre precisamos caminhar para um n´vel maior. O texto se chama "Niemeyer's Brasilia: Does it work as a city"? :
http://www.bbc.co.uk/news/magazine-20632277

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