quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Crise Ambiental e Cristianismo: o papel da Igreja na sustentabilidade

Em Junho, quando dos eventos da Rio+20, tive o prazer de participar da Cúpula dos Povos e ouvir duas vezes a palestra do Cláudio Oliver, a qual abaixo está transcrita. Uma eu assisti na Catedral Presbiteriana do Rio e a outra foi no instituto Bennet. Confesso que sua fala repercute ainda em mim ecoando em termos de pensamentos mais maduros e conceitos que se afastam de paradigmas e rumam a novas formas de se pensar ecologia e educação ambiental. Segue abaixo a sua fala na mesa de diálogo "Crise Ambiental e Cristianismo: o papel da Igreja na sustentabilidade".


Crise Ambiental e Cristianismo: o papel da Igreja na sustentabilidade
Uma mesa de Diálogo com Marina Silva, Michelon e Dellambre
Cúpula dos Povos – durante Rio +20
Claudio Oliver

Como algumas pessoas me pediram, segue abaixo a transcrição de minha fala na mesa de diálogo realizada no dia 16/6/2012, no Rio de Janeiro

“Que bom é que se reúnem representantes de igrejas para poder falar sobre a crise ambiental e poder ver a igreja finalmente se debruçando sobre este tema.
Obviamente não se pode deixar de notar que esta preocupação e debruçar chegam com 20 anos de atraso (seriam 40? O que estávamos discutindo quando o relatório do Clube de Roma nos alertou quanto à necessidade de darmos limites ao crescimento em 1972?). Vinte anos de atraso para a igreja moderna perceber algo mais quente no ar.
Igualmente é bom que se esteja discutindo tal tema, pois pelo menos se pode observar que parte da igreja deixa de confundir o fim do presente sistema ou do sistema-mundo (aion) com o fim da criação (Kosmos). Consciente ou inconscientemente, isso representa a retomada de uma tradição que inclui a vitória sobre a morte, a perspectiva da restauração e a retomada da responsabilidade sobre o planeta como expressão da relação com Deus.
No entanto, essa possibilidade implica em um risco de, sem perceber, se continuar permitindo que a narrativa a dirigir e informar a agenda e a ação da igreja (como tem sido praxe na história moderna da igreja) continue sendo imposta de fora para dentro, a partir do centro e da lógica do sistema e do império presentes.
A relação do ser humano com a terra abre e fecha a narrativa bíblica. Somos seres formados da terra fértil (Adamá), não da argila pouco intemperizada . Somos seres do horizonte A do solo. Adamá é a matéria prima da qual é feito Adam ( o ser humano), ou se preferir a versão latina, o húmus que dá origem à humanidade e também à humildade, posição necessária para se aproximar e tratar do assunto. Nossa rebeldia foi a primeira coisa a trazer maldição sobre a terra, o solo se torna gerador de plantas daninhas e de luta para comer (Gen. 3:17). Da mesma forma no fim da Bíblia, os vinte quatro anciãos cantam a pauta que guiará o julgamento final: “E iraram-se as nações, e veio a tua ira, e o tempo dos mortos, para que sejam julgados, e o tempo de dares o galardão aos profetas, teus servos, e aos santos, e aos que temem o teu nome, a pequenos e a grandes, e o tempo de destruíres os que destroem a terra.” Apocalipse 11:18 (sem grifo no original). Ao deixarmos de lado essa abertura e fechamento do tema nas escritura - e o fato de que o tema da terra e de seu cultivo estão presentes em um de cada três capítulos da Bíblia - para assumirmos a lógica do sistema (a da economia e das finanças) e do Império presente (o do deus mercado e de seu único e suficiente mediador: o dinheiro) como ponto de partida – agora como uma tal “economia verde” - patinamos, somos mais uma vez rebocados e corremos o risco de deixar de enxergar possibilidades.
Na minha humilde opinião, insistir em não tocar em algumas “vacas sagradas”, em alguns “dados como certo”, nos coloca na posição e na agenda que nos leva de reboque por um mundo que corre em velocidade máxima para o abismo e para o colapso. No mínimo, e por misericórdia, tal posição pode nos fazer inócuos diante do quadro atual.
Algumas “vacas sagradas do sistema precisam, como eu disse, ser desafiadas:
- O MITO DO PROGRESSO ETERNO. Um mito que só pode ser crido por um louco ou por economistas da ordem presente, que crêem em um crescimento permanente em um mundo finito, sem se darem conta que a única coisa a crescer indefinidamente é um câncer. Este mito que divide e oprime seres humanos que optam pela vida simples como se fossem cidadãos de segunda categoria, ou que acusa de sectários aqueles que não aceitam acriticamente a máxima de que todo progresso é benvindo. Foi o progresso que deu origem à próxima vaca sagrada.
-A CRENÇA NO DESENVOLVIMENTO COMO OBJETIVO. Ao ser aceito como objetivo a ser buscado, a busca pelo deenvolvimento nos desvia de um outro objetivo estabelecido e proposto por aquele que nos chamou a ser sua igreja. Ele não disse “ Eu vim para que vocês se desenvolvam”, mesmo que esse desenvolvimento seja sustentável. A razão pela qual Ele veio e nosso objetivo proposto por ele é outro: a vida abundante, uma expressão infelizmente confundida com vida com excesso, como a que nos propõe a lógica do consumo e da intermediação monetária, seja esta consciente, sustentável ou qualquer outra. Precisamos reencantar e reassumir a abundância como opção ao excesso, e nos arrepender do excesso de tudo que o mercado nos oferece, de comida a educação, de facilidades a delegação de responsabilidades. E para que todos tenham acesso a esta abundância é mister que se mexa em outra “vaca sagrada”: A ECONOMIA.
-Essa ciência somente existe se crermos, como ela e seus promotores insistem em repetir, em um mundo escasso, o que coloca Deus em uma posição de incompetência de origem como criador, ao ter pensado e realizado tal mundo sem capacidade de sustentar-se. E nos diminui a seres cheios de necessidades ilimitadas, das quais somos insaciáveis, o que nos transforma na imagem e semelhança de uma bactéria patogênica causadora do consumo (o nome antigo da tuberculose). Esta auto-imagem de consumidor nos afasta do caminho proposto do domínio próprio e da celebração dos limites, da renúncia e do sagrado. Conceitos que estão na origem do caminho proposto pelo mestre.
-Precisamos recordar que o termo “desenvolvimento sustentável” foi estabelecido pela médica norueguesa Gro Harlem em 1983, como reação à constatação feita pelo Clube de Roma quase onze anos antes de sua invenção, de que era imperativo IMPOR LIMITES AO CRESCIMENTO. Esta constatação deu origem a uma outra agenda bem mais interessante: a do DECRESCIMENTO (proposta por Nicholas Georgescu-Roegen, o pai da bioeconomia e propagandeada hoje por Serge Latouche). Mas antes de tudo, ela nos remete a lembrança de algo muito anterior e próprio do cristianismo: aprender a viver satisfeito, celebrar os limites, abraçar a renúncia e sacralizar a vida – aqui ditas não como palavras bonitas mas como proposta de agenda agressiva e antissistêmica radical. Na minha humilde opinião esta me parece muito mais coincidente com o ensino do mestre Jesus e com o caminho que a de um desenvolvimento, seja ele de que tipo for. Jesus é aquele que assumiu sua agenda pelo princípio da Kenosis (o esvaziamento das prerrogativas e direitos). Impõem-se a nós a mesma atitude que nele houve (Fil. 2:5) e a prioridade de assumir uma “agenda kenótica para o planeta” COM URGÊNCIA! Abrindo mão de direitos e assumindo, ou reassumindo, as nossas obrigações. Deixando de lado os sonhos de grandeza, não só dos mascates da telefé, como se costuma ter em mente, mas também de nossos pequenos reininhos ministeriais e colocando no lugar desses sonhos, a imaginação necessária para se aprender a viver uma vida simples, pacata e quieta. Abrindo mão de prerrogativas e voltando a indicar o caminho pelo exemplo e não pela liderança.
Por fim, podemos assumir uma postura de lealdade se voltarmos a lembrar à imagem de quem fomos criados e a partir dessa imagem construir outras narrativas a nos informar para a vida. Como já disse, não somos consumidores, a defender nossos “direitos”. A primeira declaração da Bíblia é de que somos imagem e semelhança de um Deus generoso, criativo, bondoso e cuidadoso nos detalhes. Ele nos colocou em um jardim para o observar (Avad) e para o guardar e preservar ( Shamar), Gen. 2:15. Olhar para a terra como nosso origem, nossa casa e nossa primeira identidade, como gente do solo, é reassumir tais princípios e assim nos colocarmos na dianteira de uma mundo que sofre com dores de parto e aguarda a manifestação daqueles que se chamam a si mesmos de “filhos de Deus”
A Ele , toda a glória.”
 
Lido, copiado e compartilhado a partir do blog do Cláudio Oliver: http://naruacomdeus.blogspot.com.br/

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