domingo, 13 de maio de 2012

"O velho tupinambá pregou a sustentabilidade que Jesus Cristo ensinou".

No século XVI  um historiador registrou o seguinte diálogo:
"Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan (madeira pau-brasil). Uma vez um velho perguntou-me:
- Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses), buscar lenha de tão longe para vos aquecer ? Não tendes madeira em vossa terra ?
Respondi que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele supunha, mas dela extraímos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas. Retrucou o velho imediatamente:
- E porventura precisais de muito ?
- Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados.

- Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas; acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: Mas esse homem tão rico de que me falas não morre?
- Sim, disse eu, morre como os outros.

Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo:
- E quando morrem para quem fica o que deixam ?
- Para seus filhos, se os têm, respondi; na falta destes, para os irmãos ou parentes próximos.

- Na verdade, continuou o velho, que como vereis, não era nenhum tolo, agora
vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem ! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também ? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois de nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.
(publicado no livro "Viagem à terra do Brasil" de Jean de Léry)

Que diálogo seria esse?????
É um diálogo entre um velho índio tupinambá e um europeu, o próprio escritor. O europeu era Jean de Léry, Pastor missionário Protestante que fez parte do grupo de 14 calvinistas que vieram de Genebra. Estes segundo relatos históricos vieram participar da criação de uma colônia francesa na Baía da Guanabara. Tal colônia empreitada seria chamada de “França Antártica” e dirigida por Villegagnon e possui uma história muito interessante uma vez que a liberdade de culto estava ligado a criação da colônia.

No entanto o discurso a que foi escrito acima traz um sentido último de adiquirir e vender riquezas da biodiversidade brasileira. Segundo José Pádua, historiador ambiental, estaria impresso ali a expansão dos europeus e a formação da economia-mundo capitalista.

Vemos aí nesse interessante diálogo e sabendo da influência calvinista nas respostas do huguenote Lery a necessidade de nós cristãos reassumirmos nossa identidade diante do mandato cultural proposto por Deus e lermos as Escrituras Sagradas com um olhar dentro de uma cosmovisão judaico cristã considerando o evangelho algo integral e o ministério da reconciliação de Jesus Cristo, que é

algo fantástico e muito maior do que uma primeira impressão ou a salvação/transformação de um mundo que ainda não veio fisicamente (novo céu e  nova terra), mas sim a salvação/transformação desse mesmo mundo em que estamos para o presente século, como primícias da posteriori, como insinuação do por vir fisicamente (novo céu e  nova terra).
Vemos no diálogo a questão da cosmovisão que cada um de nós carregamos e levamos para onde vamos e onde estamos. Duas cosmovisões que se colidem. Um choque cultural e acima de tudo ecológico. O paradigma dominate (do Europeu) e o paradoxo do Reino, representado pelo índio, que como na parábola de Cristo, está escondido, nesse caso, no coração do Tupinambá. O diálogo é claro e mostra a oposição da visão de mundo que aliás está presente nos dias de hoje principalmente na sociedade chamada pelos cristãos de secular, mas que também em muitos casos está presente nas igrejas, de maneira pior que o que se tem na sociedade secular, sobretudo e inclusive evangélicos da Teologia da prosperidade.
A visão de estoques, tão diferente da visão de partir um pão. O acumular, que é tão distante do partilhar. E por que não a comunhão (o que é meu é teu e o que é teu é teu).


Voltando a um dos momentos do diálogo:
- E quando morrem para quem fica o que deixam ?
- Para seus filhos, se os têm, respondi; na falta destes, para os irmãos ou

parentes próximos.

O conceito de Sustentabilidade é "satisfazer as necessidades das pessoas que vivem hoje sem prejudicar as necessidades delas amanhã e mais ainda sem prejudicar as necessidades das pessoas que ainda não viram o mundo de amanhã”.
Nesse sentido, dentro desse diálogo terminal, a visão do Europeu parece num primeiro momento e descontextualizadamente algo bem lógico em termos de sobrevivência e de sustentabilidade num sentido de seguridade, de manter coisas para quem virá, conforme o conceito usual de sustentabilidade. No entanto na prática essa ideia de acumular para os filhos não passa de ilusão e roubo de mundos (Leia-se mundos aqui como espaço-tempo e conjunto de relacionamentos).
O índio do diálogo age como fosse um ignorante, mas ao fim a ignorância não era mais dele e sim do europeu calvinista. E O mais interessante nisso tudo é que o diálogo do velho tupinambá vai de encontro com o diálogo de Jesus Cristo com os discipulos sobre a ansiosa solicitude pela vida.(Mt 6:19-21; 25-34), em que o Mestre nos adverte em relação a acumular riquezas e ao querermos falsas
necessidades, se preocupar com o por vir e ansiedade de sobrevivência:
"Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração".
(Mateus 6:19-21)

"Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas? E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua
estatura? E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam; E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé? Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? (Porque todas estas coisas os gentios procuram). De certo vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas;
Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Não vos inquieteis, pois, pelo dia amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal".
(Mateus 6:25-34)


Jesus é categorico ao concluir esse ensino dizendo "buscai pois em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas." Qual seria nesse caso exposto do diálogo o "Reino" e a "justiça" dentro de um mundo indígena a qual eles (europeus) não eram partes
integradas??? E mais, qual seria o "tudo vos será acrescendtado"? 
Penso que o Reino se refere a vontade plena de Deus na terra, e a justiça referida para esse diálogo se refere ao compartilhar da vida, da cultura, ter relações justas de benefícios mutualísticos em que cada um se benefeciaria da presença do outro de maneira plena. Dado isso, os europeus teriam suas
necessidades (verdadeiras necessidades) supridas ao encontrar lugar, alimento, relacionamento humano e recursos para si e para desenvolvimento mútuo da vida.
Tal pensamento de sustentabilidade de Jesus Cristo deveria estar no pensamento dos portugueses e franceses ditos "Cristãos", mas não estava. Ao que vemos o europeu acabou recebendo uma mensagem evangelizadora e missionária por parte do índio. É irônico...Esse pensamento de sustentabilidade daquele indígena deveria estar no pensamento de nós cristãos de hoje.
  Que possamos nós voltarmos num nível de equilíbrio, de relações prósperas a partir de justiça social. É isso que Jesus propõe. Devemos desnaturalizar o que hoje se supõe ser certo e até mesmo normal: a acumulação capitalista, o ter ao invés do ser, a busca pela riqueza como "jogo da vida", o lucro desmedido, o desperdício, o consumismo, o mundo dos descartáveis (geramos muito lixo).

Talvez o Velho apesar de sua naturalidade sapiente não imaginou o estrago que a
partir daquela "troca" seria feito no litoral onde vivia, mais de 500 anos depois desse diálogo e o quanto a falta do evangelho faltou na mente dos colonialistas, escravistas, empresários, latifundiários e de todos nós brasileiros, particularmente cariocas (apenas 7% sobrou da mata atlântica).
Na realidade dentro desse diálogo há um contexto muito mais amplo do que como estou colocando. Por exemplo, a questão do tipo de árvore, a forma do corte destas, o vínculo entre produção e consumo e a nossa identidade, o tolerar dos índios, suas perspectivas de trocas e ganhos com aquilo, questões de poder, status, tecnologia, a questão do interesse por tudo o que é novidade etc.
Conforme já dito é o sentido último de tudo aquilo e a cosmovisão que nada mais é que reflexo de um conjunto de crenças e valores temporais ditando o que é importante e o que nos move.
Talvez Lery, que foi um grande observador e registrou de maneira muito rica a nossa natureza e a cultura dos índios, tenha voltado balançado para casa. O missionário calvinista Jean de Léry que tentou explicar o "espírito do capitalismo" a um tupinambá, ao contrário do que podemos imaginar, nos relata José Augusto Pádua, historiador ambiental, em seu belo artigo chamado "Jean de
Léry, o pau-brasil e o velho tupinambá" (http://www.uel.br/prograd/maquinacoes/art_1.html), "foi tocado em algum nível pelo que o Velho estava dizendo, reconhecendo que ele “não era nenhum tolo” e que os índios odiavam os avarentos. Mais ainda, permitindo-se uma auto-reflexão crítica sobre a própria aventura dos europeus, Léry termina o parágrafo de maneira algo melancólica, lembrando de um escritor que dizia terem os índios do Peru temido fortemente que os europeus corrompessem seus costumes, por serem como “espuma do mar, isto é, gente sem país, homens sem descanso, que não param em parte alguma para cultivar a terra”.
Lembremos que Deus nos colocou no mundo, mais específicamente num jardim, ou melhor, Horto, no Éden para cultivar e guardar.
"E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar". (Gênesis 2:15)
Embora todos os seres humanos precisem de evangelho (Boa nova), será que em determinados momentos não são eles que precisam de evangelho e missões? Será que não somos nós?! Missão não é sinônimo de globalização. Talvez devamos voltar as perguntas mais simples e objetivas, questionar a nossa crença para crescermos na nossa fé. Deixar-se livre para indagações, dúvidas e perguntas
infantis, que não são idiotas, mas sim encontros conosco mesmos. Pensemos como o velho índio e façamo-nos as mesmas perguntas:

Por que vindes?
Não tendes recursos?
E porventura precisais de muito?


Essas foram a sequencias das perguntas do indio. E agora? Vc consegue ver Jesus diante dos discípulos fazendo o mesmo tipo de pergunta? Eu vi. Era o mesmo jeito que Jesus ensinava. Ele era o mestre do questionamento, que ensinava como ninguém através de parábolas, as quais são pedagogicamente como piadas, por conta da quebra de expectativa e giro de história.
Essa conversa do índio e Lery tem um lado engraçado e é semelhante a parábolas do Senhor. Jesus usaria essa história para nós se hoje estivessemos assentados com ele sendo admoestados por meio de sua vida. Poderemos assim continuar a perguntar:


Os rico os quais muitas vezes nos espelhamos ou queremos ter tanto quanto não morre?
Quando morrem para quem fica o que deixam? 


Que cada geração tire apenas o que for dentro da justiça de Deus, a sua parte como a orientação que Deus deu a respeito do maná no deserto.
Temos o que precisamos em seu Reino quando sabemos o que é esse Reino.


Paz, sustentabilidade e vida!!Amém!
Jorge Tonnera Jr

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