quarta-feira, 25 de setembro de 2013

ALGO MAIS

Ótimo vídeo. Emocionante...

http://vimeo.com/movingworks/something-more-portuguese


domingo, 8 de setembro de 2013

Marco Polo e As Cidades e os resíduos II - As cidades invisíveis de Ítalo Calvino

Cidades Invisíveis é um livro que eu já mencionei aqui neste blog. Ele que relata de maneira fictícia descrições de cidades por Marco Polo, onde o autor Ítalo Calvino oferece através do imaginar captar a essência das cidades por meio dos seus relacionamentos. Em dado momento Pólo chega a Leônia, cidade onde as relações de consumo geram uma cidade concêntrica, em que os restos começam a espremer a cidade geradora. Leônia se enquadra nas classificações do livro como Cidade contínua, e podemos classificá-la como cidade desperdiçada. É uma parábola ou metáfora bem atual e interessante para o nosso viver. Nós lixeiros da sociedade de consumo vivendo virtualmente num mundo em que esvaziamos os sentidos e degradamos o meio ambiente por meio de necessidades aceleradas e fantasias.

Segue abaixo o texto no livro que relata a Cidade Leônia.

“A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população acorda todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com sabonetes recém-tirados da embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das mais avançadas geladeiras latas ainda intatas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de rádio.
Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos da Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas vendidas compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem, o prazer das coisas novas e diferentes, e não o ato de expelir, de afastar de si, expurgar uma impureza recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção, ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.
Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para mais longe; a imponência dos tributos aumenta e os impostos elevam-se, estratificam-se, estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se que, quanto mais Leônia se supera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à fermentação e à combustão. E uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda Leônia, domina-a de todos os lados como uma cadeia de montanhas.
O resultado é o seguinte: quanto mais Leônia expele, mais coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa couraça impossível de se tirar; renovando-se todos os dias, a cidade conserva-se integralmente em sua única forma definitiva: a do lixo de ontem que se junta ao lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros.
A imundície de Leônia pouco a pouco invadiria o mundo se o imenso depósito de lixo não fosse comprimido, do lado de lá de sua cumeeira, por depósitos de lixo de outras cidades que também repelem para longe montanhas de detritos. Talvez o mundo inteiro, além dos confins de Leônia, seja recoberto por crateras de imundície, cada uma com uma metrópole no centro em ininterrupta erupção...”

A seca, a desertificação e as palavras do papa

A seca, a desertificação e as palavras do papa
por Washington Novaes*


Parece surreal. No dia 27 último, a seção de Esportes deste jornal informava que a nadadora brasileira Poliana Okimoto – que ganhara no Mundial de Barcelona medalha de ouro na maratona aquática de dez quilômetros, além de medalha de prata nos cinco quilômetros e de bronze por equipes – substituiu em sua dieta vários alimentos (glúten, açúcar, feijão, abacate, fermento e chocolate) por tapioca, que lhe dá “energia redobrada”. Dois dias antes o IBGE informara que a produção brasileira de mandioca (de onde vem a tapioca) este ano, 21,4 milhões de toneladas, está 8,4% menor que a do ano passado, quando já havia sido 24,5% menor que a de 2011. Nas lonjuras, o falecido pesquisador Paulo de Tarso Alvim deve estar balançando a cabeça, ele que afirmava, ironicamente, que “se mandioca fosse norte-americana o mundo estaria comendo tapioca flakes e mandioca puffs”. Mas esse alimento, o mais adequado para solos brasileiros – não precisa de fertilizantes nem de agrotóxicos – vem perdendo progressivamente espaço para as culturas de grãos exportáveis, além de ter sido muito atingido no Nordeste por problemas climáticos.


E não é só na área da mandioca que estamos penando, no terreno dos alimentos, no Nordeste e fora dele. Estamos com a menor safra de feijão em mais de uma década; importamos (feijão!) mais de 3% do consumo interno; o consumo por pessoa baixou de 18,5 para 16 quilos anuais – e aí também pesam a substituição dos alimentos por culturas de exportação e a perda de espaços pela agricultura familiar, já que 10% das propriedades têm 85% do valor bruto da produção agrícola (Ipea, 7/6) e quase dez vezes mais participação que as pequenas nos R$ 122 bilhões do crédito, segundo os órgãos federais (23/7). Mas as pequenas é que respondem por 70% dos alimentos no consumo interno.

São muitas as aflições nessa área dos alimentos. O Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) estão concebendo (MMA, 26/7) um projeto-piloto de uso da terra no Semiárido, que em 2014 começará a ser executado em Sergipe, para ser replicado em outras áreas. O foco estará nos problemas de erosão e esgotamento de nutrientes no solo, que têm forte influência no avanço da desertificação e na produção de alimentos. Segundo o Instituto Nacional do Semiárido, do Ministério da Ciência e Tecnologia, só em 55,2 mil quilômetros quadrados problemáticos vivem 750 mil pessoas, apenas no Sertão do São Francisco (BA) e na região dos Cariris Velhos (PB). No Estado da Paraíba, nada menos de 54% do território sofre com o problema, agravado pela menor infiltração de água em solos compactados por métodos inadequados de cultivo.

Em Gilbués, no Piauí, outra área crítica, a desertificação é acentuada pela infiltração natural a grandes profundidades da água de chuva (pois ali chove 700 milímetros anuais, em média), favorecida pela estrutura geológica. O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) trabalha em projetos nessa e em outras regiões. Além de Gilbués, mais três áreas são consideradas críticas: Irauçuba (CE), Seridó (RN e PB) e Cabrobó (PE). Ao todo, estão ali quase 400 mil pessoas. O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas informa (O Globo, 9/7) que 230 mil quilômetros quadrados de terras foram atingidas “de forma grave” ou “muito grave”.

Mas continuamos aferrados a velhas e falsas tentativas de solução – como a transposição de águas do Rio São Francisco – para esse tipo de problema e o de seca, como a que aflige hoje o Nordeste. E que, dizem os meteorologistas, se pode estender até 2015. Segundo o Comitê da Bacia desse rio, “falta planejamento ao governo federal sobre a expansão desordenada da agricultura”.

O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lembrou no Dia Mundial da Desertificação (Rádio ONU, 18/6) que “os custos políticos, sociais e econômicos dos problemas gerados pela seca são evidentes, do Usbequistão ao Brasil, da região do Sahel, na África, à Austrália (…). O mundo não pode deixar o futuro secar”. E enfatizou ainda que 14% da população global sofre, por essa causa, de insegurança alimentar. Mas não apenas nessas regiões. No ano passado os Estados Unidos tiveram a pior seca em 50 anos; o Chifre da África também, afetando 13 milhões de pessoas. E por aí se entra no terreno das mudanças climáticas, que aceleram a degradação de terras e a desertificação, assim como os conflitos pelo uso da água.

Por aqui continuamos a fazer de conta que o problema da seca, que atingiu mais de 1.400 municípios do Semiárido, está superado, quando ainda prospera em boa parte deles o negócio de vender água levada por caminhões em tonéis, a R$ 5 por 250 litros. Enquanto isso, sobe o orçamento do projeto de transposição do São Francisco, essa “obra absurda”, segundo João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco; “um escândalo”, nas palavras do professor João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O primeiro complementa dizendo que a obra “beneficia o grande capital rural e industrial”. O segundo acrescenta que “todas as grandes empreiteiras se beneficiam”.

E continua longe do ideal o projeto de instalação de cisternas de placa em comunidades isoladas, que tem como objetivo 1,3 milhão de poços. Há poucos dias a Petrobrás anunciou um programa para 20 mil, em 210 municípios. Com os recursos da transposição já poderia haver cisternas construídas em todos os lugares necessitados.

Questões como essa precisam sempre trazer à mente palavras recentes como as do papa Francisco: nada se deve sobrepor aos problemas sociais; a prioridade absoluta é deles. Inclusive no Brasil, onde, pelos critérios da ONU, ainda temos dezenas de milhões de pessoas (boa parte delas no Semiárido) vivendo com renda abaixo da “linha da pobreza”, cerca de R$ 100 mensais. Mesmo as que recebem Bolsa Família.

* Washington Novaes é jornalista.

** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
http://envolverde.com.br/ambiente/a-seca-a-desertificacao-e-as-palavras-do-papa/
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